A verdade é que somos instantes
Li a frase do título no muro, pela janela do ônibus, quando voltava pra casa do trabalho. Ou seria grafado com letras de forma no orelhão da esquina? Foi na rua, disso eu tenho certeza. Li essa frase enquanto olhava para a rua com seus altos prédios e muros repletos de histórias para contar. Entre tantas outras citações encontrei, essa afirmação autêntica: “SOMOS INSTANTES”; uma verdade tão minha quanto de outras pessoas que guardam no coração e na retina momentos que, no fundo, a gente sabe que são únicos, mesmo que já sejam parte do cotidiano.
A rua é sábia e compreende o ser humano como ninguém. Sua sabedoria esfrega na nossa cara realidades, muitas vezes inconvenientes, mas, acima de tudo, realidades. Basta olhar ao seu redor para crer. Há tanta coisa nos muros, tanta coisa que faz sentido, tantos escrachos, tantas declarações de amor, de ódio, palavras engraçadas e frases de efeito daquelas que nos obrigam a pensar melhor sobre a vida e o que vivemos, nos obrigam a pensar em tudo o que a gente considerava esquecido lá no fundo do nosso grande baú de pequenas lembranças.
E não é que, ao ler o que alguém escreveu num canto qualquer da cidade, eu pensei mesmo? Me dei de presente alguns minutos de distração e me permiti recordar de alguns desses instantes eternos. O mais curioso é que me peguei sorrindo dentro do ônibus e, de tão espontâneo, o sorriso acabou contagiando a senhorinha que estava sentada ao meu lado, o que me fez refletir: Quantos instantes essa simpática criatura carrega? Impossível dizer… Cada instante é pessoal e intransferível, tão nossos quanto os nossos sonhos. Voltei então aos meus.
Me peguei pensando em como me sinto quando ando descalça, naquele momento em que, ao abrir a janela do quarto, dou de cara com o sol, no olhar daquela pessoa especial sobre o meu. Naquela decisão importante que deixou incertezas sobre o futuro, mas que deu lugar à surpresa de acordar de manhã me sentindo livre. No gosto da chuva que escorria pelo meu corpo no dia em que esqueci o guarda chuva e percebi que não havia nada a fazer senão me deixar molhar. Na ocasião em que fiz sorrir uma criança triste, no frio na barriga ao fazer rapel, no momento exato em que foi batida a foto, uma gostosa gargalhada que se eternizou.
Pensei no meu primeiro dia de aula na faculdade, o trote, o nervosismo ao apresentar o primeiro trabalho em público, na bagunça com os amigos de infância, na segurança que um simples abraço me passava quando era pequena e tinha medo do escuro. Nos últimos instantes da festa de formatura e o cair dormindo feito pedra na cama quentinha depois de um belo porre, no olhar amoroso dos meus cães, no abraço de boas vindas quando voltei pra casa.
Na sensação de dever cumprido, no primeiro beijo, nas borboletas que tomaram conta do meu estômago quando me apaixonei pela primeira vez, no vento que me pega de surpresa e traz um perfume familiar. No cheirinho de bolo de cenoura saindo do forno, no aroma do café de todas as tardes. Na sensação de alívio de sexta-feira depois de uma semana inteira de trabalho duro, no brinde com os amigos, na cerveja gelada descendo pela garganta, no sopro que apaga a vela depois do parabéns, nas lágrimas que tantas vezes não consegui segurar de tanta alegria, no som que denuncia aquela mensagem inesperada, no sabor do meu doce preferido…
Ah! tantas coisas vividas e tantas ainda pra viver! Coisas que duram um instante ou mais, mas duram e isso tudo não cabe em um texto, mas cabe direitinho na memória da gente.
Não me permiti despertar minhas lembranças para os momentos amargos, pois não é sobre eles que temos que nos agarrar, eles apenas devem ser encarados como aprendizado. Tenho certeza de que você que está lendo este texto também tem uma lista enorme de instantes que marcaram sua existência. Agora tente imaginar sua vida sem eles, ela teria a mesma graça e beleza?
Somos todos instantes, uma combinação perfeita de recordações, que, por menor que sejam, fizeram e fazem o que somos e o que viremos a ser. Por isso, amemos cada pedacinho de nossas histórias, eles dizem muito sobre nós e é tudo o que levamos dessa vida.
Como bem dizia o saudoso Rubem Alves: “O que a memória ama, fica eterno”.
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