A vida me deu licença poética para começar pelo meio e terminar nos começos
Eu sei que você está cansado, não precisa levantar, não precisa nem abrir os olhos, só me escuta. Lembra daquele dia que você me beijou na cozinha? Não, não, comecei errado. Lembra daquele dia que eu disse que se você quisesse me beijar, você podia? E tu respondeu “eu vou” e continuou tocando e eu dançando. Lembra?
Nada começou ali.
Você me encontrou no meio, eu já tinha começado a nossa dinâmica há muito tempo. Tudo naquela noite foi premeditado, da cor da minha calcinha até o modelo da minha saia. Queria que você me olhasse. Ser o foco do seu desejo constante, não só uma rapidinha.
Me puxou pela cintura na cozinha, rodopiei nos seus braços. Já não sabia onde eu começava e você terminava. Corremos para o quarto e nos deliciamos. Eu nem sabia que eu podia alcançar notas tão altas. Sinto que lhe devo um pedido de desculpas por isso, mas não quero. Tu gosta de música.
Não, não, comecei errado de novo. Lembra daquela vez que você me chamou para ser seu par na aula de forró? Depois a gente se fidelizou como par de forró da quarentena, lembra? Nada começou ali também, eu já estava envolvida.
Depois da primeira noite, eu quis uma tarde toda de você só pra mim. Teve vinho, mais na parede do que na nossa boca, teve calor, fiquei sem blusa logo, teve conversa, gosto até dos silêncios com você, e teve música. Muita música, um excesso que não faz mal.
Ver você tocar é meu novo vício.
Não sei se você sabe, se já se viu tocar. Já deve ter visto, mas não com os meus olhos. Você brilha, como se não bastasse o seu sorriso, que faz nascer o meu sol interior, você é hipnotizante quando toca, faz tudo com tanta maestria e cuidado. Fico com profunda inveja dos instrumentos, queria ser reverenciada assim.
Lembra daquele dia, no seu aniversário, que você disse que me queria? Pois eu quis de volta também, mas eu não estava preparada para essa alegria. Só que agora eu estou, mas eu sei que eu já estou no meio, eu sei. Você ainda tem um longo caminho para percorrer e pode nem se encontrar com o meu.
Dito isso, quero oficializar o nosso término, eu sei que você ainda nem chegou no meio, mas eu não sei se eu aguento esperar. Cansei de ser a segunda escolha, quero escolher. Eu te escolhi e mesmo a gente não sendo nada eu tenho saudades de você. Eu tenho querências por você, pois eu gosto de você, não o tempo todo, mas quando.
Eu gosto quando a sua barba roça no meu pescoço e dos seus cabelos fartos. Gosto quando você vibra quando toca. É prazeroso te contemplar aqui de baixo. Eu gosto quando você sorri. Que sorriso. Eu gosto quando você me diz as coisas que eu quero ouvir. No pé do meu ouvido. Eu gosto quando você me chama no meio da noite. Vamos. Eu gosto quando você me apresenta o seu mundo. É bom lembrar de você nos detalhes. Eu gosto de você quando.
Lembra daquela vez que você me escolheu? Não, não, comecei errado de novo. Vamos para o meio. Sim, eu tenho tanta licença poética quanto você para falar do quanto eu estou apaixonada, sem estar sentindo nada, pode voltar a dormir.
Imagem de capa: via pexels