O que direitos iguais, exército e Lei Maria da Penha têm em comum?

Calma. Eu juro que tudo isso vai fazer sentido, é só focar aqui. Acontece que eu fico genuinamente chateada quando vejo outras pessoas falando que nós, mulheres, já alcançamos os direitos iguais. Só hoje, já me deparei com trocentos mil provas de que isso – ainda – não é verdade. Porém, vou me concentrar em dois que, TODO SANTO DIA, aparecem para me assombrar: exército e Lei Maria da Penha.
Primeiramente: sobre direitos iguais e exército
Um dos maiores argumentos que vejo homens e mulheres apresentando contra o feminismo (e, consequentemente, contra os direitos iguais entre os sexos) é: “Se vocês querem ser tratadas da mesma forma que os homens, por que não há uma luta para que TODOS sejam obrigados a se alistarem no exército?”.
Bem… pode parecer uma baita surpresa, ou até mesmo mentira, mas acredite: o feminismo não apoia o alistamento obrigatório. Aliás, muito pelo contrário: ele luta contra essa prática que, em sua natureza, é um reforço ao patriarcado e à masculinidade tóxica, que prejudicam não só as mulheres, mas os homens também.
O que os meninos aprendem desde cedo é que o certo é serem “machos”, firmes, fortes, impositivos e agressivos. Eles crescem em uma sociedade que, no dia-a-dia, endossa uma série de comportamentos que, na prática, são muito nocivos e excludentes a outras personalidades e trejeitos.
Homens não podem ser vaidosos. Isso é coisa de viado (homossexual). Homens não choram, homens não dançam, homens não podem ser carinhosos com as mulheres (porque são uns “bundas moles” e “pau mandados”), e por aí vai.
Agora me conta: o que esse tipo de comportamento, em grande escala, provoca? Uma espécie de “DEVER” ao patriotismo que só cobra lealdade e devoção de quem, aos olhos de todos, é “mais capaz”, “mais forte” e “superior”: o homem.
Enquanto isso, o que as mulheres deveriam estar fazendo? Cuidando da casa, da família, da cozinha e por aí vai.
Viu como o próprio sistema provoca isso?
Acredito, em primeiro lugar, que o alistamento deveria ser opcional (e confesso que deve ser quase isso, já que a maioria dos homens que conheço falam que todo o processo é bem tranquilo e considera as vontades do candidato).
Penso, ainda, que o exército não é a única forma de servir ao país. Se você acorda todos os dias, trabalha, paga seus impostos, tenta ao máximo ser bem-educado e respeitoso com os outros, respeita as regras e procura cuidar do meio ambiente, ok, já é uma baita dedicação. E isso sim, pessoas que estão me lendo agora, é uma coisa que DEVE e PODE ser feita por ambos os sexos.
O que o feminismo, nesse exemplo do alistamento, quer?
Basicamente, DIREITOS IGUAIS, em qualquer instância. Não é uma questão de política, de defender o alistamento ou ser contra a ele, ou qualquer outra coisa que seja. É fazer com que todos entendam que nós, mulheres, não queremos ser contagiadas e prejudicadas pelas filosofias do patriarcado, entende? Aliás, não queremos que ninguém tenha que passar por isso.
A gente luta pela voz, sabe? Pela credibilidade. Pelo respeito. A gente quer trabalhar sem ser julgada, quer ter poder e independência sobre o próprio corpo, quer ter segurança.
“ Ué, mas isso vocês já têm”
Nananinanão. Infelizmente, a gente ainda sofre MUITA pressão do patriarcado. Em pleno 2020, vejo casos de maridos que não querem que suas esposas trabalhem, e até mesmo parceiros que não admitem que a mulher tome anticoncepcional ou use camisinha (porque essa atitude iria contra o “milagre da vida”).
Até hoje, presenciamos vítimas de abuso sendo presenciadas ou, basicamente, não levadas a sério. Poxa, semana retrasada sente aqui nessa mesma cadeira para escrever sobre o caso Mariana Ferrer. É difícil, cara. É difícil.
Em plena pandemia, o número de denúncias de violência doméstica aumentou drasticamente. Ano passado, tomei as dores de uma pessoa MUITO querida de minha família que, infelizmente, apanhou tanto do marido que precisou levar pontos.
E é aí, inclusive, que aproveito o gancho para falar sobre a lei Maria da Penha.
Sobre igualdade e Lei Maria da Penha
Me responde uma coisa: por que DIABOS você acha que essa lei existe? O que será que precedeu a necessidade dum trem que nem esse? (É, sou mineira mesmo, me processem).
Essa lei foi inspirada em uma farmacêutica cearense chamada (adivinha?) Maria da Penha. Ela, por anos, sofreu inúmeras agressões e abusos de seu marido. Procê ter ideia, o negócio foi TÃO grave que o moço tentou assassiná-la com um tiro de espingarda. Apesar de não conseguir “concluir seu objetivo”, deixou-a tetraplégica. E como se não bastasse, tentou eletrocutá-la depois.
Aí, depois de tomar bastante coragem, ela foi até a polícia denunciá-lo e, claro, foi rapidamente descreditada não só pelas autoridades, como pela justiça brasileira em si. O ex-marido, para variar, respondeu grande parte do processo em liberdade.
Foi só em 2002 que o Estado, após ser condenado por negligência e omissão, comprometeu-se a rever suas políticas e legislações relacionadas à violência doméstica. E assim nasceu a Lei Maria da Penha.
Agora, aí vai um pulo do gato procês: a Lei Maria da Penha é destinada a casos de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Aí você pensa: “ah, ok, às mulheres”. E claro que pensa, né? Afinal, como no mesmo caso do alistamento, são elas que mais sofrem violência por serem consideradas inferiores aos homens.
Só que olha que louco: violência doméstica também acontece com os homens e, portanto, ESSA LEI VALE PARA ELES TAMBÉM. Só que a maioria até se envergonha de acioná-la porque né, às sombras da sociedade patriarcal, o marido que apanha da própria esposa é um “maricas”.
Mais uma vez, tenho o desgosto de contar para vocês que, em minha própria família, já aconteceu um caso de agressão por parte da esposa (que eu saiba). Porém, para um desse, existiram mais 5 de assédio sofridos pelas mulheres (mais uma vez, que eu fiquei sabendo, porque tenho certeza que aconteceram mais), 2 de violência e trocentos de abusividade (esse nem dá pra contar nos dedos mais). Tudo-sofrido-pelas-minas.
Então assim, ao contrário do que muitos pensam, a Lei Maria da Penha é um dos maiores exemplos de TENTATIVA de estabelecer em nossa sociedade a noção de DIREITOS IGUAIS. Porém, as próprias pessoas falham nesse quesito.
Enfim…
Que que pega: a gente precisa se educar mais. Eu mesma nem sabia que a Lei Maria da Penha contemplava os homens também até essa pessoa muito próxima e querida por mim sofrer agressões da própria esposa.
Então, antes de sair por aí falando que “ninguém precisa do feminismo”, ou que “o feminismo é o contrário do machismo”, ou que “feministas odeiam os homens”, leia a respeito, sabe? Isso não dói, não mata, não agride e nem desrespeita ninguém. Lutar pelos direitos iguais se resume a isso: dedicação, cuidado e disponibilidade.
Eu, inclusive, posso até te ajudar nisso. Vou colocar aqui uns textinhos procê se informar mais sobre o assunto, tá bem? No mais, obrigada pela atenção e PERSISTÊNCIA de chegar até aqui, um beijão, se cuida e até a próxima.
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Fonte (imagem de capa) via Cécile Dormenau