É preciso um pouquinho de fé
Passou o dia falando a mesma palavra em diferentes frases: “Mãe, eu quero um pônei.”, “Pai, me deixa levar aquele pônei fofinho pra casa?”, “Mamãe, já está na hora de andar de pônei?”, “Caraca mãe… porque você me fez subir aqui se não tem pônei?” – disparou sem arrependimentos depois de subir uma ladeira e uma escadaria de pedra que nos levou à igreja mais alta de Tiradentes.
Quase não almoçou, pois só pensava no cavalinho.
Suportou com relativa paciência o entra e sai nas lojas de souvenirs.
Distraiu-se ao som de “Carinhoso”, interpretado por um talentoso músico de rua com seu violoncelo.
Entrou na sorveteria, bebeu água, mas não reivindicou sorvete, provavelmente economizando pedidos para não ter seu maior desejo negado.
Vi seus olhinhos tristes quando o carro pegou um trecho já de estrada, na saída da cidade. Até que num grito ela nos alertou que os pôneis estavam logo à frente.
Menininha sonhadora, apaixonada por animais, deseja ser veterinária. Quer colocar cobertor na galinha e levar todos os cachorrinhos de rua pra casa…
Que sorriso lindo desabrochou em seus lábios quando desceu correndo do nosso carro!
Aliás, quando foi mesmo, a última vez que você sorriu assim?
Uma senhora bem simples atravessou a pista ao lado do seu marido trazendo o arreio para que a pequena pudesse montar.
Subiu sem medo no pônei chamado Mickey. E seguiu orgulhosa, sendo puxada por aquela senhora e com a mamãe filmando e fazendo mil fotos daquele momento tão especial.
Dudinha disse que não estava com vontade de andar no cavalinho, mas ainda assim veio caminhando ao lado da irmã menor.
Entre um galope e outro, aquela senhora alegre e falante foi se revelando para nós três. Valente mulher rural, nos contou como recuperou um dos seus pôneis roubados por um malandro qualquer. Mulher brava, não aceita muito bem as concorrentes que não respeitam as suas regras. Chegara ali primeiro com seus cavalinhos e por isto não aceitaria folga.
E no meio daquela prosa gostosa, entre raios dourados do sol no céu azul com nuvens de algodão, comentei sobre a chuva que caiu no dia anterior. “Ontem choveu aqui em Tiradentes, né? Os turistas nem apareceram. Que prejuízo pra senhora por não poder levar os pôneis para a rua!”
Ela olhou bem no fundo dos meus olhos, e me disse assim: “Ah moça, prejuízo que nada! A gente perde aqui, mas Deus nos dá de outra forma”.
Houve um silêncio daqueles bonitos de se ouvir.
Apenas a suave música dos galopes do cavalinho e o eco daquelas palavras tão simples e tão cheias de sabedoria.
Suspirei fundo, me recordei que era domingo, um dia que muitos dedicam a Deus, e constatei que aquele pequeno pasto, sofrido pela seca mas ainda com poças de lama deixadas pela chuva do sábado, tornou-se nossa igreja.
E ali, naqueles minutos de puro deleite da menininha no seu pônei, nos recordamos o quão maravilhoso é ter um pouquinho de fé.
Duda venceu a resistência e também quis dar uma voltinha. E para nossa surpresa, aquele casal não aceitou que pagássemos por mais um passeio. Insistimos muito, com a consciência de que ali está o sustento de toda a sua família, mas desistimos quando percebemos que nossa insistência poderia ofende-los.
Era um brinde, um presente, e pronto.
Voltamos pra casa com o coração aquecido por aquele breve encontro com pessoas tão especiais. As crianças em êxtase pelo passeio no pônei. Renato e eu, impactados pelo tesouro escondido na simplicidade.
Temos tanto a aprender, tanto a agradecer! Mesmo em um ano difícil como este de 2020.
Não há poças vazias em nossas vidas que não sejam preenchidas e transbordem com a água viva que flui daqueles que conhecem o poder de um pouquinho de fé, e o conforto do amor latente em pequenos gestos de generosidade e bondade.
Naquela noite, cavalgamos em sonhos lindos de uma aspirante a veterinária que vai ter muitos pôneis, cavalos e cachorrinhos.
Cavalgamos também em nossos sonhos antigos, sem medo de prejuízos, com aquela confiança de que com um pouquinho de fé, temos acesso a tudo aquilo que precisamos, da forma que planejamos, ou… de outra forma, que infinitamente melhor.
Malu esperou sem perder a esperança. Pediu, pediu. Fez do seu desejo uma prece. E no fim ganhou muito mais que um passeio apressado nas ruas de pedra da cidade histórica.
Qual é o seu desejo ou sonho descarado que precisa hoje mesmo desta pequena porção de fé?
Não complica muito não, vai!
Seja simples como uma criança, e admire a beleza da simplicidade das coisas que te cercam.
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Imagem: Pexels