Ela é medalha de ouro em todas as modalidades
Ela não teve tempo de treinar, exercitar ou desenvolver novas técnicas, já nasceu na luta. Chegou ao mundo pobre, mulher e brasileira. Isso já é motivo para combater mais que qualquer outra pessoa. Correu da fome, das pancadas do pai e das chineladas da mãe. Sofreu o abandono, o frio e a falta de perspectiva. Cresceu sendo menosprezada e diminuída por todos a sua volta. Bloqueou os caminhos errados, esquivou-se das drogas e eliminou qualquer forma de prostituição ou abuso. Ignorou cantadas grosseiras e defendeu-se quando foi assediada.
Marchou para a escola todos os dias de pé descalço, mas com força de vontade. Estudou com dedicação e passou na universidade pública, uma grande vitória. Durante as aulas se apaixonou por um colega e o encantou com sua determinação e amor no coração. Ele a respeitava, incentivava e desejava construir, ao lado dela, um futuro de verdade. Ela se dedicou às aulas e se formou com louvor. Contrariando todas as expectativas, remou contra a corrente. Com o diploma nas mãos trabalhou duro e, para casar com seu grande amor, comprou sua primeira casa própria, mais uma conquista.
O primeiro filho chegou grande e forte, o segundo veio saudável e delicado. A família estava completa. Agora a jornada é dupla. Ela acorda cedo, prepara o café, veste o uniforme nas crianças, leva pra escola e dispara para não perder tempo. Trabalha duro, entrega relatórios, faz reunião e aguenta o mau humor do chefe. Sai do trabalho. recepciona as crianças, volta pra casa e prepara o jantar (leia mais aqui). Todos se alimentam, ela dá banho nas crianças e ajuda com o dever de casa enquanto passa roupa na sala. Os pequenos adormecem e ela vai lavar a louça e dá um tapa na casa. O marido chega de madrugada, levemente alcoolizado e dorme até roncar. Ela toma um banho longo e chora.
Chora porque está exausta, porque lutar o tempo todo cansa (leia mais aqui). Ela é forte, mas às vezes fraqueja. Ela mergulha em suas dores e navega pelos medos da derrota. Ela não é uma fortaleza, é humana. Uma vida de competição é extenuante. Sua modalidade não possui férias ou descanso. É uma prova a cada dia, a cada hora. Ela não pode decepcionar o mundo e a si mesma. Desistir agora seria um desperdício de tempo e energia. Ela enxuga as lágrimas, renova suas esperanças e deposita toda sua fé no treinamento que a vida lhe deu.
Ela tem o sono dos justos e sonha com outro triunfo. Acorda para mais um dia no torneio da vida. Por mais que, por vezes, ela pense em entregar-se, os olhos esperançosos daquela pequena torcida, que investem nela toda a confiança, lhe dão motivação extra. Ela ataca os adversários, salta os obstáculos e pula para a linha de chegada. Ela confia e sabe que pode subir ao pódio. No ritmo dos jogos olímpicos posso afirmar que, na vida, ela é medalha de ouro.
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