Tenho meu lado menina, mas também tenho meu lado mulher
Gosto que me chame de “menina”. Gosto que me chame de “mulher”.
Eu sou uma animal e você terá de me conhecer tanto meu lado primata quanto com meu lado felina. E é isso que quero dizer com esse início, porque eu sou mulher, mas também quero, sei ser, e sou menina. E você terá que reconhecer quando eu estiver de algum dos modos entre essas duas fases, ou em todas ao mesmo tempo.
Muitas vezes somos chamadas de complicadas, mas não somos. Algumas pessoas que têm dificuldade de nos ler. E, sim, confesso que às vezes eu fico um pouco indecifrável, mas uma hora outra você conseguirá me descobrir.
Em alguns momentos que vou estar deitada do seu lado, vou alisar sua perna com um dos meus pés, mas vou estar querendo apenas ficar de carinho. Terão outros momentos que vou me encaixar em você numa espécie desajeitada de conchinha, e indo mais pra trás e mais pra trás, pra ficar com a bunda bem colada em você, sem nenhum sinal explícito de tesão, mas que na verdade vai ser um modo tímido de mostrar que dentro de mim estou ardendo em labaredas de vontade de transar contigo.
Talvez pareça difícil, mas não é.
Eu tenho meu lado menina e o meu lado mulher.
Sou aquela que em um dia sairei de short jeans rasgados nas pontas, All Star e camiseta. No outro de regata, bermuda e chinelo e em outro irei pôr um vestido estilo executiva com um saltinho e um colar lindo. Sou aquela que em uma sexta vai querer ficar em casa e irá elogiar em demasia o benefício de fazer isso e na sexta seguinte vai pentelhar pra saírem, de preferência juntos e irá passar a noite toda dizendo que adora ir pra rua.
Também terá que me aturar brincando de pinçar com tintas e pincéis junto com as crianças de algum lugar. E dias depois indo à alguma exposição com meus óculos grandes, que às vezes penso em trocar mesmo com pouco tempo de uso, admirando as obras, comentando sobre e às vezes até espionando por cima dos óculos, tipo intelectual.
Hoje vou propor de ir para um show de rock que você tanto gosta no sábado, e curtir um pagodinho no quintal da minha tia no domingo.
Pois é, eu sou uma caixa de surpresas. Complicado talvez possa ser você que não sabe se sabe lidar com isso tudo. Ao mesmo tempo encantado e medroso. Porque eu ando com os olhos brilhando quando vejo flores, mas vivo dizendo que receber flores em dias comemorativos é clichê, ou eu posso estar dizendo que quero recebê-las.
Lembrei de uma vez que brincando eu te disse que eu sou uma caixinha de surpresa, e você concordou comigo, de forma leve e natural. E isso me fez perceber que você me conhece e reconhece.
Sua resposta à minha afirmação me deixou pensativa alguns dias. Não sabia se era eu que estava abaixando a armadura ou se você é quem estava conquistando território. Ou os dois.
Por isso eu digo que sou mulher e menina, menina e mulher.
Precisarei do seu colo pra me confortar quando eu estiver com medo da vida como uma menina com medo do escuro. Também precisarei de você quando eu for a mulher decidida de sempre, a mulher que é tão determinada que em algum momento vai precisar de alguém dando uma pequena puxada de volta pra realidade.
Não sei muito bem com quem estou falando, na verdade. Se é com você, quem eu nem sei quem é, ou se é comigo, que talvez eu saiba, ou não. Mas sei que eu sou a menina que gosta de carinho e a mulher que gosta de ser pega bem forte na cintura. A que vai se desmanchar ao ver um cachorro babando num portão ou um gato a ignorando na sala da amiga, e depois estará de pernas cruzadas falando dos perigos da máfia de laboratórios que fazem testes em animais numa sala de estar, com as pernas cruzadas e uma xícara de chá na mão direita.
Menina que irá te olhar de longe com o olhar manso e tenso. E quando a olhar novamente, ela estará te encarando com uma cara de mulher que já sabe o que irá fazer contigo em casa. Sem esquecer a levantada de sobrancelha.
Lado menina. Lado mulher.
Menina mulher.
Que às vezes não, mas em outras vezes sabe, muito bem, quem é.
Imagem: Pinterest