Não quero motivos para lembrar do ex
– Não precisa não, moça – respondi à atendente que havia acabado de pedir um número para contato de emergência.
Nem precisei olhar de soslaio para saber que ele me encarava com aquele ponto de interrogação na testa.
– Superstição – menti, ciente de que esta resposta era muito mais deglutível que a verdade.
Não arrisquei um só segundo de contato visual e quem dera eu estivesse me referindo somente a esse momento no aeroporto. Essa era a milionésima vez que nos despedíamos naquele mesmo lugar. Eu sempre indo e vindo. Ele sempre ficando.
E é por isso que terminaríamos um dia, eu tinha certeza.
E esse dia está bem próximo
Aliás, não só por isso e não um dia. Falar assim faz soar como se esse dia estivesse longe demais e não esmurrando a porta para entrar a todo custo, como de fato estava acontecendo.
Sempre me admira a forma como tentamos mentir para nós mesmos, cada vez mais habilidosos, cada vez com um enredo mais refinado.
Eu menti para mim. Tentei a todo custo e em meio a muitas lágrimas me convencer de que aquele (ou ele) era o caminho. Como era de se esperar, me perdi.
De novo.
Cheguei naquela idade em que situações como essa não estão acontecendo pela primeira vez. Ah, não. No meu caso, elas já aconteceram muitas e muitas vezes.
E é por isso que agora, no aeroporto, tenho certeza de que chegamos ao nosso fim.
Um futuro que não existe
Ele sorri e faz planos para esse futuro que não existe. Eu estou tão longe que demoro tempo demais para esboçar alguma reação àquilo que ele fala.
Nada disso é culpa dele. Eu não o culpo, não se trata disso.
Não acredito que precisamos ter várias coisas em comum para que possamos nos relacionar. Talvez no passado até pensasse assim, hoje não mais.
Ainda assim, é preciso termos algo em comum.
Eu e ele tínhamos – temos? – uma paixão comum por café e louças coloridas. É isso. Objetivamente falando, é isso. Muitos espressos e canecas coloridas ao longo do dia.
Então alguém poderia perguntar: por que durou tanto tempo se era tão ruim? É o que geralmente as pessoas perguntam e as respostas são bem simples.
Relacionamentos são difíceis

Não é isso que todo mundo diz?
Eu não queria ser a pessoa que desiste rápido. Prefiro o papel de perseverante, aquela que nunca desiste, que corre atrás do que quer.
Corri tanto atrás do que eu supostamente queria que minha visão embaçou lá pela metade do percurso.
Sim, relacionamentos são difíceis, mas se você estiver sozinha nele o conselho muda drasticamente.
Ele é uma pessoa boa
Poxa, mas ele é uma pessoa boa.
Ainda mais quando essa pessoa boa é do sexo masculino esse se transforma em um ótimo motivo para insistir em algo que nunca daria certo.
Ele, de fato, é uma pessoa boa. E surpresa: isso não é suficiente.
Você vai ficar sozinha e lembrar do ex
A comodidade de não estar sozinha sempre foi uma excelente justificativa para tentativas de salvação de relacionamentos.
Hoje, uma das coisas que mais tenho medo é desse efeito rebote de solidão.
Confesso que tenho uma habilidade nunca antes vista de não me colocar como prioridade quando estou em um relacionamento.
Dia após dia eu vou me abandonando. Me esquecendo de mim.
E o efeito rebote chega no futuro – ou melhor, nessa ausência de futuro – em que esse relacionamento fadado ao fracasso chega ao seu fim e, então, eu me vejo sozinha. Sem mim, sem ninguém.
Muito mais sozinha do que já estive antes porque agora sequer consigo me lembrar de como era estar comigo.
Eu não tenho mais a mim mesma e logo passo a conhecer o mais íntimo significado de solidão.
Mas o término chega, e não quero lembrar do ex

– E se eu nunca conseguir terminar? – pergunto à terapeuta.
– Ah, consegue – ela me responde com uma tranquilidade que eu gostaria de conhecer, os lábios apertados e a cabeça para cima e para baixo.
– Nem que você tenha que se desgraçar todinha antes. Nem que precise chegar ao fundo do poço – ela completa – Um dia você consegue.
Ele segue falando algo sobre o tempo.
Claro, nosso relacionamento vai tão bem que esse vem sendo o assunto que mais conseguimos desenvolver e concordar sobre.
– Isso não vai dar certo. Isso, a gente, nunca daria certo – começo, mas apenas na minha cabeça.
Me despeço. Dou o abraço mais rápido que consigo e me dirijo à escada rolante que leva para a sala de embarque.
Na escada, não me viro para ele. Não olho para trás. Minha decisão foi tomada. E, para mim, nós terminamos hoje.