A lingerie da mulher gorda que não tem muito dinheiro
Soube que não teria um corpo magro na 4ª série, quando que ganhei minha primeira lingerie. Ao contrário da maioria das meninas da minha sala, eu – que era a mais nova de todas elas – já tinha recém peitinhos que marcavam a camiseta branca de malha do uniforme. O sutiã, por sua vez, era salmão, lindíssimo.
Logo no primeiro dia, aprendi a clássica manobra de fechar o sutiã na frente, virar 180 graus e vestir as alças. Lembro-me de sentir que era muito madura – até chegar na escola. Além de sustentar e disfarçar peitos recém-nascidos, descobri que a peça também atraia olhares e que a galera da escola era péssima em disfarçar.
Nessa época, minha barriga já dobrava quando me sentava, formava leves pneuzinhos nas laterais. Todo dia era uma prova diferente que meu corpo, definitivamente não seria magro. Por mais que eu tentasse (e olha que eu tentei) o 38 jamais seria meu número.
Dito e feito: cresci e não tenho um corpo magro. A minha barriga, nada negativa, enrola toda calcinha de cós baixo que visto, um desconforto tremendo. Meu quadril é grande e péssimo para encontrar por calcinhas que não apertem, nem enrolem e que eu consiga pagar. Ao menos minha avó vê benefícios: “É uma anca boa pra parir”, disse ela certa vez, toda orgulhosa.
Encontrar um conjunto que a peça debaixo sirva tão bem quanto a de cima, é quase tão prazeroso quanto usar a lingerie com alguém. É sutiã que comporta o peito, mas aperta ou fica largo nas costas, ou calcinha que é alta e confortável, porém é cheia de rococó e florzinhas. Sem graça e completamente sem flow.
Ao longo do tempo, quando as marcas de lingerie ignoravam o volume de nossos corpos, minha mãe, que também é uma mulher gorda maravilhosa, desenvolveu uma técnica para adaptar a calcinha disponível no mercado, às curvas do nosso corpão.

O truque
A calcinha de cós alto tende a ter a parte de trás muito grande, já a frente, pode não sustentar a barriga como deveria. O truque é simples: corte lacinho (porque sempre tem um lacinho) e use de trás pra frente. A parte de trás da calcinha é grande o suficiente para sustentar sua barriga, e o que era frente, é menor e fica mais cavada na bunda. Eu ainda uso esse truque.
Num sábado qualquer, decido confiar mais uma vez na indústria de peças íntimas e vou às compras. Mudei a abordagem quando a vendedora perguntou em que poderia ajudar. Dessa vez estava confiante que ela teria. “Quero calcinhas para gordas de 20 e poucos anos. Nada de bege ou com estampa de florzinha.”
A vendedora com o olhar de quem repensa o estoque, olha pra mim, sorri e vai pra porta dos fundos. Ela volta com dois modelos de renda, cós alto e cores fortes. Comprei uma de cada cor e pela primeira vez, me senti gostosa usando só calcinha.
Hoje existem algumas marcas que produzem peças lindas para corpos grandes, mas nem sempre o valor é acessível. As lojas de departamento acabam sendo a opção para os pequenos orçamentos. E mesmo sendo muitas opções no mercado, não vá às compras pensando que vai sair de lá com numerosas sacolas. Algumas lojas vendem lingerie só até os tamanhos 42/44. Como se depois do manequim 44 as pessoas passassem a usar um lençol com amarrações como roupa. Vai entender.
Curvas são sensuais e o corpo gordo é cheio delas. E é um grande vacilo marcas populares demorarem tanto tempo para perceber isso.
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