O Brasil está em crise (e a monogamia também!)
Não é preciso ter um olhar muito sensível ou apurado pra se dar conta de que o título deste texto faz algum sentido. Basta olhar ao nosso redor, avaliar um pouco os relacionamentos que nos cercam, analisar os índices de infidelidade da sociedade em que vivemos e veremos que ele tem alguma verdade em si.
Mas vamos lá: o que podemos entender por monogamia numa definição informal e no contexto da sociedade contemporânea? Monogamia seria um acordo entre partes a fim de se relacionarem em regime de exclusividade afetiva e sexual. Por ser um “acordo”, este formato de relacionamento não poderia ser entendido como nada mais nada menos do que uma escolha feita pelas partes nele envolvidas por livre e espontânea vontade.
Acontece que, ao que parece, este acordo não tem cumprido o que propõe. Não é difícil chegar a esta conclusão. Basta frequentar os bares das cidades e os aplicativos de paquera. Falando pelo universo feminino eu até arriscaria perguntar: que mulher nunca saiu com um cara uma vez ou algumas vezes e depois de um tempo descobriu que ele era comprometido? Mas a grande questão aqui é: se se trata de uma escolha, por que tem dado tão errado?
O cerne da questão é que, talvez, a monogamia não seja verdadeiramente entendida como uma escolha por quem “opta” por ela. Por vivermos numa sociedade extremamente conservadora, esta modalidade de relacionamento acabou por se tornar uma imposição social. A única alternativa à vida de solteiro. Assim, ou estou solteiro e não tenho com quem dividir planos de uma vida, não me dedico com mais intensidade a ninguém, mas, por outro lado, posso consumar meus desejos sexuais livremente sem carregar nenhuma culpa por isso; ou tenho alguém com quem faço planos, por quem nutro um afeto especial, mas, em contrapartida, tenho que me castrar sexualmente em relação a todas as outras pessoas.
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A escolha é difícil por algumas razões: primeiro, porque quando estamos apaixonados nada é melhor do que dividir com pessoa amada os planos de uma vida; segundo, porque, apesar de apaixonados, não temos como controlar a sensação de estarmos atraídos por outras pessoas. A atração física é involuntária, o que é voluntário é decidir consumar ou não essa atração; terceiro, porque optar por uma das alternativas, de certa forma, é passarmos por cima de nós mesmos, já que em algum momento desejaremos estar do outro lado da escolha.
E agora, José? Quem foi que inventou essa maldita história de que o “viveram felizes para sempre” só pode acontecer no modelo de relacionamento em que eu não posso ter olhos para mais ninguém?
Mas agora vamos olhar por outra perspectiva: você é a pessoa que se julga vítima do modelo monogâmico por ter que abrir mão dos seus desejos. Por não poder ter o melhor dos dois mundos. Sendo essa pessoa, você estaria plenamente confortável de que a pessoa com quem você divide os seus planos também estivesse à solta por aí consumando os desejos dela?
A crise de viver numa sociedade materialista é que, mais do que objeto de desejo, tendemos a enxergar o outro como nossa propriedade. Assim, queremos transitar pelas relações sem nos sentirmos dominados, presos, acorrentados e sem alternativas, mas não queremos reconhecer que outro também tem essa liberdade. Temos medo de que no meio de uma aventura ou outra a pessoa que amamos se descubra apaixonada pela terceira pessoa que transita naquela relação. Temos medo de que ela escolha dali em diante dividir os planos de vida dela com aquele terceiro e não mais conosco. Nosso ego não quer passar por esse processo de termos sido colocados na balança com outra pessoa e termos perdido para ela.
Pra agravar ainda mais a situação da monogamia, ainda inventaram que o amor é pra sempre. Certamente quem inventou isso morreu antes dos 30. Não é possível que um ser humano tenha lançado essa ideia no mundo sem pensar no quanto em algum momento de uma relação monogâmica ele se sentiria sufocado pela rotina, se sentiria entediado com sexo com a mesma pessoa, com o beijo da mesma pessoa. É mais fácil acreditar que quem inventou essa história de “para sempre” nunca tenha se relacionado com ninguém.
Então ficamos assim: a monogamia carrega nela uma série de idealizações. Quem está de fora sonha em viver aquele momento de ter sido escolhido por alguém, de ser amado incondicionalmente, de construir uma vida a dois e ser feliz para sempre. Quem está de dentro vê a rotina do dia a dia, vive o sexo previsível, o beijo óbvio e que muitas vezes já carrega muito mais (para não dizer “apenas”) carinho do que tesão. A verdade é que ele não é completamente uma coisa nem outra e sim um pouco dos dois.
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Mas é verdade também que existem SIM outras alternativas. Existem diversos modelos de relacionamento. Existe o poliamor, existem os relacionamentos abertos e muitos outros formatos quem nem eu mesma posso enumerar porque não conheço. Em nenhum deles existe a anulação do amor e da construção de uma vida juntos. O que acontece é que, enquanto os outros formatos de relacionamento não forem socialmente aceitos, não forem informados à sociedade, a monogamia continuará em processo de falência.
Não é possível falar em escolha se não existem alternativas. A infidelidade continuará sendo o demônio que assombra todos os relacionamentos enquanto as pessoas não entenderem que só precisam abrir mão completamente de estar com outras pessoas se assim quiserem e que nem por isso têm que deixar de estar com quem amam. Enquanto a exclusividade afetiva e sexual não for verdadeiramente entendida como uma escolha de quem a vive diante de outras opções tão legítimas quando ela, ela será sempre a desculpa que legitimará a traição.
Imagem: Pinterest
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