O mundo tá chato, e nós também

Hoje eu gostaria de abrir a discussão para o significado de “mimimi”. Afinal, o mundo tá chato mesmo. Concordo plenamente com essa frase. Sendo assim, hoje estou aqui, junto a vocês, tentando descobrir o que é esse tal de ‘mimimi’. Então bora lá.
Os diferentes tipos de “mimimi”
Na década de 60 eram transmitidos seriados como A Feiticeira, Jeannie é um Gênio e Os Trapalhões. Propagandas, com o conteúdo tão machista quanto essas séries, eram veiculadas com naturalidade. Algumas poucas décadas para frente, as programações de Domingo à tarde eram carregadas de conteúdos politicamente incorretos, as piadas de humor negro faziam sucesso e, ao meu ver (e imagino que de algumas pessoas também), a galera, nessa época, sabia “brincar”. Afinal, todo mundo fazia piadas machistas, racistas, o entretenimento multiplicava isso para todas as televisões de todas as casas, e, até então, ainda não existia o “mimimi”.
Ok. Nessas mesmas épocas que citei, também teve um outro lado. As mulheres ainda não tinham os mesmos direitos de hoje (e olha que o Feminismo já estava passando por sua segunda onda), o movimento Pantera Negra ganhava cada vez mais força (luta contra o racismo nos Estados Unidos, que durou de 1966 a 1982), o Brasil e outros países da América Latina sobreviveram à uma Ditadura, e por aí vai. Posso dizer que a maioria das pessoas também concorda que aí não tinha “mimimi”, mas sim uma luta por direitos iguais a todos e contra todo e qualquer tipo de intolerância.
O que quero dizer com isso tudo?
Bem, durante essas décadas tão defasadas socialmente e moralmente falando, ainda assim havia resistência, certo? Não era porque as pessoas faziam piadas machistas, racistas, misóginas e por aí vai que o ser humano deixou de lutar pelos seus ideais. Muito pelo contrário, ele seguiu forte. Tão forte que hoje existem pequenos detalhes que, ao serem conquistados aos poucos, abriram um novo espaço para as minorias se sentirem… incluídas.
Posso dizer tranquilamente que, nos dias atuais, por exemplo, as campanhas por tolerância e inclusão vêm se tornando mais fortes e até públicas. As novelas trazem enredos que, aos poucos (bem pouquinho), vão fugindo dos padrões heteronormativos. Uma das maiores estrelas pops do momento é um homem que se veste de mulher (poderosíssima). Os homens, sempre tão impunes e protegidos pelo machismo, estão começando a sofrer as consequências de seus atos. O racismo e a intolerância estão sendo discutidos cada vez mais pelas pessoas e mídias, e por aí vai. E.. mesmo assim.. tem gente “problematizando geral, fazendo um “mimimi” danado, não deixando ninguém fazer piada mais”.
Então o mundo tá chato mesmo, né?
Não. Nós é que estamos. O que que acontece: pelo fato das minorias começaram a ter mais voz e exigirem respeito, ficou muito feio fazer piadinhas com elas. Piadas do tipo “quando é que preto sobe na vida? Quando o barraco explode” e comentários como “tenho saudades de quando a mulher dava a buceta e não a opinião” caíram por terra. Quem fala isso em voz alta na rua corre um risco sério de apanhar. Um risco que as minorias, até hoje, também sofrem bastante.
Mulheres, ainda em um mundo super desenvolvido, sofrem diferentes tipos de assédio e violência doméstica. Travestis apanham até a morte nas ruas. Casais homossexuais são agredidos porque andam de mãos dadas. Um moço negro, andando pela rua, sofre violência de policiais porque decidem revistá-lo de graça. Crianças ainda sofrem abusos. Deficientes mentais ainda sofrem algumas limitações sociais, e por aí vai. Então o que mudou? Será que fazer piadas misóginas e racistas é realmente o problema? Penso que não.
Sendo assim, digo que não é o mundo que tá chato mesmo, e não, nem tudo é “mimimi”? Nós é que, apesar de tantos avanços, estamos curiosamente cada vez mais intolerantes, menos abertos a abrir mão de preconceitos e machismos alheios e por aí vai. Afinal, podemos perder os amigos, mas não a piada. Só que…
…aparentemente, toda piada virou motivo de processo, não é mesmo?
Mas… piada pra quem, cara pálida? Que piada é essa que agride e diminui as pessoas? Isso é engraçado? Falar que “come” a atriz com bebê dentro e tudo é de boa? Fazer chacota de uma pessoa com problemas físicos e psicológicos, enquanto você tá normalzão, é tranquilo? E o que dizer de comentários de figuras públicas como “isso é coisa de preto”? Cadê a graça?
É, o mundo tá chato mesmo. Tá chato porque muita gente ainda não entendeu que machismo, racismo e preconceito não são coisas normais e naturais. Muita gente ainda não entendeu que se sentir ofendido por qualquer uma dessas coisas não é “mimimi”. Muita gente ainda não entendeu que fazer piadas dessas coisas naturaliza os atos em si, assim como era antigamente e hoje não é mais (apesar de ainda termos muito o que mudar). Muita gente ainda não aceitou que não pode ficar falando o que quiser da mesma forma que falava antigamente.
Mas sim, não se engane. O outro lado tá chato também.
Existem pessoas que estão problematizando até mesmo a grávida de Taubaté. São textos e mais textos denunciando séries machistas, tentando bani-las hoje, depois de 10 anos, sendo que não precisa ser assim. É interessante ver o quanto as coisas mudaram, e mais legal ainda é saber, hoje, identificar pequenos machismos e preconceitos em cada roteiro (antigo ou atual). Porém, eu não preciso desgostar de um enredo por isso. Não vou deixar de rever e amar Friends porque o Ross é um babaca, e você também não precisa colocar fogo em todos os seus DVDs de Todo Mundo em Pânico. Tá tudo bem.
A grande sacada é a seguinte: o problema está na falta de tolerância e empatia.
O mundo tá chato porque não sabemos nos colocar na pele do outro. No seriado “Dear White People”, tem um episódio em que um dos amigos dos personagens principais, que é branco, canta a letra de uma música durante uma festa e, no meio dela, tem a palavra “nigga” (uma expressão parecida com “nego” ou neguinho”). Um dos caras da festa (negro) fala com ele que brancos não podem dizer tal palavra, só negros. O moço, um pouco ofendido, explica que não é racista e que é só uma letra. Mesmo assim, o conselho é reforçado: “tudo bem, eu sei. Mas ainda assim é só não dizer”. E aí rola uma discussão bem desnecessária porque o branco hétero se sentiu mal porque não pode dizer algo por não ser de uma raça x. Se sentiu censurado. E o moço, que expôs o amigo, poderia ter feito isso de outra maneira.
Sendo assim, tomar cuidado com o que fala não deveria ser exceção, mas sim regra. Todos nós merecemos respeito.
Isso vale para pessoas que repetem frases como “não sou machista, mas”, “meu amigo é gay, mas”, e qualquer frase que tenha esse danado de “mas”. Não tem “mas”. O mundo tá chato porque as “maiorias” finalmente estão sendo obrigadas (ainda que pouco) a dividir os holofotes com as “minorias”. Ou seja? Vai ter que aprender a respeitá-las mesmo, caso contrário vai levar ferro. Simples.
Se passar a mão em bunda de moça no busu, vai ter gente gritando sim. Se xingar o coleguinha de macaco, vai ter denúncia sim. Se humilhar cadeirantes em um stand up, vai ter processozinho sim. Se sair mandando piadinha machista no grupo de família, vai ter gente problematizando sim.
E a vida segue.
Sendo assim, o melhor conselho a TODAS as pessoas é: ao invés de definirem o que é “mimimi” e o que não é “mimimi”, que tal tentar respeitar a palavra do próximo? O que é “bobagem” para você pode não ser para mim. Uma mulher que sofreu abuso não se sentiria bem ao receber uma piada machista. Uma pessoa que sofre racismo todos os dias não tem que receber uma piadinha racista bem. Assim como um homem cis branco não pode ser taxado de “menininho que anda no shopping” porque nós mal sabemos o que ele pode ter passado ou não, ou ainda o que ele pensa.
O mundo tá chato por nossa causa. Vamos aprender a aceitar as diferenças das pessoas, a respeitar as opiniões alheias e a discutir com um objetivo de sair disso mais ricos e sábios, e não vencedores. Isso vale para os mais e menos radicais também. Dar o benefício da dúvida também é importante. Podemos lutar pelos nossos direitos sem fazer uma caça às bruxas e sem dar pano pra manga de gente sem noção.
Empatia, respeito, tolerância. O mundo tá chato porque antigamente quase tudo saía impune. Hoje não mais. Que loucura, ein?
Imagem: Reprodução
E o que vocês responderiam a essa pergunta aqui abaixo, feita por uma de nossas usuárias do Clube Superela?