Posso ser um homem feminista. Ou não?

Oi pessoal, aqui quem escreve é o Fábio, co-fundador do Nós Por Elas junto com a Tata. Normalmente postamos nas nossas redes ou escrevemos aqui na 3ª pessoa do plural, mas, dessa vez, estou escrevendo na 1ª do singular mesmo, por ser o meu ponto de vista.
Essa semana postamos um vídeo no TikTok sobre o que é ser um ‘homem feminista’. É curtinho, nem 1 minuto, assiste aqui quando puder, porque vai ajudar a contextualizar.
Bom, o vídeo em si não tem muito mistério. Nele, eu falo sobre porque me considero feminista e como acredito que outros homens também podem e devem fazê-lo.
Para mim, tudo que está ali é muito óbvio – essencialmente, respeitar as mulheres e reconhecer que o mundo em que vivemos foi construído sobre pilares patriarcais machistas, portanto precisamos de ações afirmativas de equidade no curto prazo para chegarmos, algum dia, à igualdade de gêneros.
O que me surpreendeu foi a grande quantidade de comentários se posicionando contra o termo ‘homem feminista’. Digo surpreendeu porque essa foi a minha reação mesmo, de surpresa.
Não fiquei chateado, ofendido, triste, nervoso… não me veio nenhuma sensação ruim pela reação dessas muitas mulheres. Só surpresa. Até por isso fiz questão de deixar o vídeo lá, porque, além de também haver comentários positivos exaltando mais a essência do vídeo do que o termo ‘homem feminista’ em si, mesmo os comentários “negativos” (que, repito, nem vejo como negativos, e sim como educativos) servem a um propósito.
E é por isso que escrevo hoje, pelo propósito a que serviram os comentários que reagiram ao termo ‘homem feminista’. Eles me fizeram parar para pensar (a) no que eu acredito e (b) em como as mulheres que reagiram ao termo se posicionaram.
No que eu acredito?
Eu continuo acreditando em tudo aquilo que falei no vídeo. 🙂
Não quero pagar de moralista, não quero dizer que sou perfeito, não quero dizer que já não fiz a minha parcela de babaquices masculinas. Infelizmente sim.
Mas sinto que evoluí e percebo claramente a importância do envolvimento dos homens nessa luta pela igualdade através da equidade. Sem mudar o comportamento dos homens, estaremos só enxugando gelo.
Digo isso com propriedade, porque, ao conduzir o Nós Por Elas nesses anos todos, percebo claramente que as mulheres que sofrem agressões (não só físicas, como também verbais, morais, patrimoniais…) são vítimas de um ciclo repetitivo e cruel, que se retroalimenta de impunidade e de convicções machistas profundamente arraigadas na nossa sociedade.
A mulher vítima de agressão é vítima direta do seu agressor, mas é também vítima indireta de toda a sociedade, inclusive das pessoas à sua volta – é julgada quando vai prestar depoimento, é questionada pelos familiares e amigos, é culpada por “quebrar o núcleo da família” quando decide deixar o agressor, é muitas vezes humilhada por não se colocar “no seu devido lugar”.
Se continuarmos olhando para a Defesa Pessoal e, de forma mais ampla, para os Direitos das Mulheres, somente para tratarmos das vítimas e potenciais vítimas, estaremos enxugando gelo, porque os agressores vão continuar agredindo. Simples assim. A solução sustentável e de longo prazo para a segurança física e emocional das mulheres passa diretamente pela educação dos homens.
Claro que passa também pela punição justa e eficaz dos agressores, tanto quanto passa também pela conscientização e treinamento das mulheres, que devem saber que têm direito a se defenderem (é isso que fazemos lá no Nós Por Elas!).
Mas, sem a educação dos homens, tanto os de hoje como também os nossos meninos e adolescentes, nós nunca quebraremos esse ciclo perverso, maligno, cruel, assassino contra as mulheres.
Por isso, digo que continuo acreditando que existem sim Homens Feministas. Infelizmente, ainda são muito poucos. Meu sonho é que um dia esse termo nem precise existir, porque todos os Homens serão, sim, Feministas, de berço e de coração.
Mas não sou o dono da verdade. Essa é só a MINHA opinião e, como eu disse lá no TikTok, eu respeito DEMAIS as opiniões que foram expostas ali, principalmente de quem as expôs com educação e respeito (aliás, a grande maioria, o que foi de grande orgulho para mim, nesse mundo agressivo das redes sociais).
E digo que respeito porque o contraste entre ser um ‘Homem Feminista’ ou um ‘Homem Pró-Feminismo’ me fez pensar em outros movimentos tão importantes quanto o Feminismo. Como o Abolicionismo. O Sufragismo. O Anti-Racismo. O Movimento LGBTQ+.
Por um lado, pensei, ninguém precisava ser escravo para ser Abolicionista. Ou não ter direito ao voto para ser Sufragista. Ou ser negro para ser Anti-Racista. Ou gay/trans/+ para fazer parte do movimento LGBTQ+. Poxa, eu não sou negro, mas sou profundamente antirracista. Não vivi a época da escravidão nem era vivo antes do voto ser universal, mas, se fosse, sinto que lutaria contra essas injustiças.
Meu racional é: não preciso ser a vítima para me colocar contra o agressor.
Aliás, é isso que faço todos os dias no Nós Por Elas. Não sou mulher, nunca sofri agressões, mas, nem por isso, me isentei de me posicionar e de transformar isso na luta da minha vida. Então porque não posso ser Feminista? Anti-Racista? LGBTQ+?
Mas eis que vem o tal “outro lado”. E esse outro lado me fez refletir sobre a história do Brasil. Esse nosso país lindo, maravilhoso, “deitado eternamente em berço esplêndido”, mas que sofre profundamente com a forma equivocada com que vários dos seus passos históricos importantíssimos foram dados. Quer ver?
Não tivemos independência – tivemos o filho do síndico ocupando o lugar do papai e garantindo que todas as mordomias da elite seriam mantidas ad eternum.
Não tivemos abolição – tivemos a mesma realeza assinando uma lei que fica linda nos livros de história, mas que nem de longe ajudou a corrigir as barbaridades do passado nem muito menos garantiu um futuro digno para os escravos libertos.
Não tivemos transição para a democracia – tivemos na “anistia” um calaboca vergonhoso estruturado pelos mesmos militares que deveriam ser punidos severamente pelas suas atrocidades mas que não só não o foram como também foram acobertados pela mídia (diga-se de passagem, mídia esta que pertencia e continua pertencendo às famílias que ganharam de presente as concessões de rádio e TV dos mesmos militares).
Pode botar aí também os impeachments, seja dos cara-pintadas, seja dos 20 centavos – tudo orquestrado por quem tinha interesse em derrubar quem “tinha que ser derrubado” naquele momento.
Ou seja, a história do Brasil nos mostra que os nossos passos de civilização adulta foram dados na verdade sempre com muletas, andadores, rodinhas, chamem como quiserem. Nosso crescimento em termos de consciência cidadã sempre foi um “crescimento assistido”, enviesado, interesseiro. É por essas e outras que somos o país do jeitinho, do meio-termo, do deixa-disso.
E é por isso que eu finalmente entendi a questão do ‘Homem Pró-Feminismo’. Trata-se de protagonismo. De voz. De garantir que as mudanças sejam feitas sim, mas que sejam lideradas por quem mais entende as dores e os sofrimentos do que precisa ser mudado. Não precisamos de mais D. Pedro primeiros, Princesas Isabel, Sarneys. Não precisamos de homens liderando um movimento que é das mulheres. Precisamos de mulheres à frente, ao mando, à luta, liderando e protagonizando esse mesmo movimento.
A luta é nossa. Mas o protagonismo é de vocês. Está claro, claríssimo, entendido e de acordo!
Fico absolutamente tranquilo em reconhecer isso e, na verdade, em incentivar isso. Se é algo tão importante para vocês, mulheres, eu passo então a me considerar um ‘Homem Pró-Feminismo’. Mudo isso com o maior prazer.
O que não vou mudar, nem hoje, e espero que nem nunca, é a minha crença profunda de que, enquanto não engajarmos os homens na luta do Feminismo, a mudança real nunca vai ocorrer. Os homens NÃO são os inimigos.
Os homens babacas, covardes, cruéis, sim. Mas saibam que esses aí também são os “nossos” inimigos, os inimigos dos homens de bem, que continuo acreditando serem a grande maioria dos homens do mundo.
Contem comigo, hoje e sempre.
Fabio Sá
Co-Fundador do Nós Por Elas
Homem Pró-Feminismo