Sobre a dor: não colecione!
Sabe o que acontece com a gente depois que ralamos o joelho? Sentimos a dor, óbvio. E a dor de um joelho ralado parece a pior do mundo quando ainda somos tão jovens. No entanto, depois de um tempo, a gente aprende que nenhuma dor pode ser medida, porque todas elas têm sua intensidade e machucam. Umas machucam muito e te esgotam em um mesmo dia, outras vão doendo aos pouquinhos. Existem aquelas que nem sabemos como definir por nos deixarem totalmente sem consciência ou apenas por nos fazerem sentir cada pisoteada na alma, porque dói como nada. Mesmo sem medidas, toda dor parece eterna. Juramos que não vai passar porque nos encontramos em um estado completamente de desespero e a gente não vê saída quando só vê a dor.
Somos coleciona(dores). Todos nós.
E sabe qual é o problema de embarcar nessa de colecionar a dor? É que a gente não percebe que isso acontece porque é quase automático. Não há transparência que vá mostrar sua dor, mas nós sabemos que ela existe, porque a sentimos ali, só esperando um momento para te atacar de novo. Colecionamos os momentos ruins e, automaticamente, os guardamos à sete chaves dentro da memória.
Nem é preciso algum tipo de senha para que o cofre do sofrimento abra, só é preciso uma lágrima rolar que, como um código sobrenatural, as lembranças se revelam novamente para nos fazer chorar mais ainda. Quem nunca sentiu a alma se despedaçando aos pouquinhos ao seguir uma linha imaginária de lembranças que já foram sofridas faz tempo em um momento inesperado? Você tava lá triste pelo cachorro que morreu e, de repente, ficou triste por lembrar do dia em que alguém querido se foi, mesmo que já faça um bom tempo do acontecido.
Nossas memórias nos mani(pulam). Todas elas.
Nos tornamos alvos das memórias que insistem em serem lembradas e tudo bem. Se são tão insistentes é sinal de que houve um motivo bem grande para existirem ainda – e beleza que você ainda não esteja pronta para se livrar. É normal não conseguir desapegar das próprias lembranças, difícil mesmo é saber conviver com todas elas. E a gente vai levando como dá e, talvez, nosso maior erro seja continuar a sofrer por ainda lembrar. A gente pode guardar momentos tristes ou felizes, mas não precisamos guardar os sofrimentos juntos, certo? Afinal, se doeu, você já sofreu. E esse sofrer ficou no passado; não traga dores do ontem para o dia de hoje, porque o que poderia ser algo novo torna-se algo mastigado e ninguém gosta de repetir pratos ruins.
Nos tornamos manipuladores. Todos os dias.
Porque não conseguimos deixar que as dores partam, aí idealizamos que elas se foram por alguns momentos, até que, por qualquer motivo, elas parecem voltar, mas a verdade é que nunca se foram. Engana-se quem pensa que o tempo leva as dores, ele simplesmente faz o que sabe fazer de melhor: passa. As dores também passam, seguem a brisa do tempo que instantes antes estava aqui e agora já foi.
Não é o tempo que leva as dores, são as dores que pegam carona no trem de passagem do tempo (leia mais aqui). Mas só quando não há mais motivos para que fiquem, só quando não há mais espaço para elas, as dores se vão quando não têm mais motivos para ficar. E aí a gente vai ganhando espaço para novos deslizes, novas histórias, novas lembranças e memórias. Novas dores, novas lágrimas, novos amores, desamores, encontros e desencontros.
Sobre a dor: não a colecione!
O importante é reconhecer que mesmo que doa muito hoje, pode não valer mais a pena continuar cuidando dos machucados como se fossem curar a alma, pois fazemos das nossas cicatrizes um portal para as dores doerem mais um pouquinho. E vai doendo, vai doendo, até que se juntam com as dores novas que vão se acumulando e você explode, mas as lágrimas parecem não ser suficientes.
Desse jeito você só cutucará ainda mais as frestas de nublado que insistem em assombrar nosso mundo de dentro. E se nos tornamos assombrados por dentro, fugimos – e ao nos depararmos com o mundo de fora, não encontramos saída também, porque só o que conhecemos são as sombras daquilo que ainda permitimos que doa. Como um passado que não passou porque não permitimos passar.
Colecione amor, momentos felizes, risos largos, lembranças que alegram o coração como um detalhe colorido enriquece a casa da gente. Colecione música, objetos fofinhos, cartas de amor, fotografias. Colecione as histórias para contar, filmes e papeis das balas mais gostosas que já experimentou. Colecione paz, palavras legais, livros e esperança, mas não deixe que as dores se fundem nas passagens da vida. Sempre haverá novas feridas e precisamos abrir espaço, faxinar tudo, para receber o que tiver que vir. Que seja um turbilhão de emoções boas, que seja amor e conforto para alma, mas que, acima de tudo, que você tenha resistência para as dores que sempre insistem em chegar de repente, da mesma forma que se vão. Aliás, que você as deixe partir também.
Imagem: Pinterest
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